Relator: No caso, a autora, por meio desta ação, pretende garantir o seu ingresso nas instalações da ré a fim de que possa exercer a sua atividade profissional de doula durante todo o período de trabalho de parto, do parto propriamente dito e do pós-parto de suas clientes. Fundamenta sua pretensão no fato de que a ré a teria descredenciado como forma de retaliação, uma vez que jamais desrespeitara qualquer norma legal ou interna do hospital.
Órgão julgador: Turma, j. em 10-2-2025).
Data do julgamento: 7 de abril de 2005
Ementa
RECURSO – Documento:7065999 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECURSO ESPECIAL EM Apelação Nº 5029852-89.2021.8.24.0038/SC DESPACHO/DECISÃO P. V. W. M. S. interpôs recurso especial, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal (evento 45, RECESPEC1). O apelo visa reformar acórdão proferido pela 5ª Câmara de Direito Civil, assim resumido (evento 16, ACOR2): APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO C/C REPARAÇÃO DE DANOS. SUPOSTO DESCREDENCIAMENTO ILEGAL DE DOULA DO QUADRO DO NOSOCÔMIO RÉU. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESISTÊNCIA DA PARTE AUTORA. ALEGAÇÃO DE QUE O JUÍZO A QUO NÃO LEVOU EM CONSIDERAÇÃO AS PROVAS TESTEMUNHAIS EM SEU FAVOR. IMPROPRIEDADE. VALORAÇÃO DA PROVA E PERSUASÃO RACIONAL. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ (ART. 371, DO CPC). ARGUIÇÃO DE VIOLAÇÃO DA LEI DE REGÊNCIA, QUE NÃO GARANTIU O CONTRADITÓRIO E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. ...
(TJSC; Processo nº 5029852-89.2021.8.24.0038; Recurso: RECURSO; Relator: No caso, a autora, por meio desta ação, pretende garantir o seu ingresso nas instalações da ré a fim de que possa exercer a sua atividade profissional de doula durante todo o período de trabalho de parto, do parto propriamente dito e do pós-parto de suas clientes. Fundamenta sua pretensão no fato de que a ré a teria descredenciado como forma de retaliação, uma vez que jamais desrespeitara qualquer norma legal ou interna do hospital. ; Órgão julgador: Turma, j. em 10-2-2025).; Data do Julgamento: 7 de abril de 2005)
Texto completo da decisão
Documento:7065999 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL EM Apelação Nº 5029852-89.2021.8.24.0038/SC
DESPACHO/DECISÃO
P. V. W. M. S. interpôs recurso especial, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal (evento 45, RECESPEC1).
O apelo visa reformar acórdão proferido pela 5ª Câmara de Direito Civil, assim resumido (evento 16, ACOR2):
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO C/C REPARAÇÃO DE DANOS. SUPOSTO DESCREDENCIAMENTO ILEGAL DE DOULA DO QUADRO DO NOSOCÔMIO RÉU. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESISTÊNCIA DA PARTE AUTORA. ALEGAÇÃO DE QUE O JUÍZO A QUO NÃO LEVOU EM CONSIDERAÇÃO AS PROVAS TESTEMUNHAIS EM SEU FAVOR. IMPROPRIEDADE. VALORAÇÃO DA PROVA E PERSUASÃO RACIONAL. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ (ART. 371, DO CPC). ARGUIÇÃO DE VIOLAÇÃO DA LEI DE REGÊNCIA, QUE NÃO GARANTIU O CONTRADITÓRIO E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. INSUBSISTÊNCIA. PARTE AUTORA QUE FOI DEVIDAMENTE NOTIFICADA SOBRE AS INFRAÇÕES COMETIDAS, NA FORMA PREVISTA DA LEI ESTADUAL Nº 16.869/2016. DESCREDENCIAMENTO DA PARTE AUTORA DE OUTRO HOSPITAL, APÓS O DESCREDENCIAMENTO JUNTO AO NOSOCÔMIO RÉU. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (evento 30, ACOR2).
Quanto à primeira controvérsia, a parte alega violação aos arts. 489, § 1º, IV, V e VI, e 1.022 do Código de Processo Civil, no que tange à negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista a omissão da Câmara quanto ao: a) "fato de que todas as provas documentais anexadas pelo hospital recorrido e o depoimento de seus informantes foram desconstituídas pelas testemunhas da recorrente"; e ao "fato da inexistência de provas da recorrente ter desrespeitado normas, boletins nº 64679, n° 64675 e n° 64686"; b) "fato da inexistência de provas da recorrente ter desrespeitado normas, boletins nº 64679, n° 64675 e n° 64686"; c) "fato da inexistência de edema de colo uterino registro paciente boletim 69763"; d) "fato do ato de descredenciamento ter sido firmado por três médicos e uma enfermeira que não estavam presentes no momento em que ocorreram os fatos"; e) "fato da recorrente ter sofrido as mesmas penalidades no Hospital Dona Helena". Além disso levanta a omissão acerca das alegações de ausência de contraditório e ampla defesa e dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Quanto à segunda controvérsia, a parte alega violação aos arts. 5º, V, XIII, XLI e LIV, da Constituição Federal; e 186, 187 e 422 do Código Civil, no que concerne à ofensa aos princípios do devido processo legal e da boa-fé objetiva. Sustenta que "de forma deliberada e sem qualquer chance de defesa, mesmo em sede administrativa, a recorrida, unilateralmente, decretou o impedimento profissional da recorrente"; que "respeitou integralmente as autorizações a ela concedida, quais sejam: uso de bola de exercício físico feita de material elástico macio e outras bolas de borracha e banqueta auxiliar para parto"; e que a recorrida "cometeu ato ilícito, pois excedeu manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, no tocante aos bons costumes e a boa-fé"
Quanto à terceira controvérsia, a parte alega violação ao art. 3º da Lei Estadual n. 16.869/16, em relação à ilegalidade do descredenciamento. Defende que "recebeu uma única advertência, relatando as condutas supostamente desrespeitadas como: (i) a retirada de pertences em armário da sala de pré-parto sem autorização da enfermagem, (ii) acomodação de paciente sem consulta à equipe de enfermagem ou médico e (iii) posicionamento de paciente em interferência a conduta médica"; e que "além do fato de uma única advertência formal ter sido enviada à Recorrente, sem lhe garantir qualquer direito ao contraditório e ao devido processo legal, houve também descumprimento da própria Lei da Doula, já que se faz necessário a imposição de multa como forma também de penalidade, antes do referido descredenciamento, a qual por sua vez, nunca foi aplicada à Recorrente".
Quanto à quarta controvérsia, a parte alega violação ao art. 3º do Decreto n. 1.305817, no que diz respeito à inexistência de ilegalidade na utilização da bola de exercício e da banqueta auxiliar para o parto. Aponta que "realizou a conduta permitida às doulas durante a assistência ao parto, utilizando-se dos materiais que lhe são permitidos para facilitação do parto, ajudando a parturiente a encontrar posições mais confortáveis para o trabalho de parto e parto, mostrando formas eficientes de respiração que pudessem aliviar as dores, segundo preconiza o código de Ética Médica".
Quanto à quinta controvérsia, a parte alega violação ao art. 166 do Código Civil, relativamente à nulidade do ato de descredenciamento, pois "embora reúna os elementos necessários a sua existência, foi praticado com violação da lei, a ordem pública e aos bons costumes e com inobservância da forma legal".
Quanto à sexta controvérsia, a parte alega violação ao art. 402 do Código Civil, no que se refere à existência de lucros cessantes, tendo em vista que "deixou de lucrar devido ao dano causado pela medida ilegal e autoritária da Recorrida".
Quanto à sétima controvérsia, a parte alega violação aos arts. 189 e 927 do Código Civil, no tocante à existência de danos morais, já que "cometendo a Recorrida ato ilícito contra a Recorrente, ao descredenciá-la ilegalmente, impedindo que a mesma exerça suas funções laborativas, essenciais para sua subsistência, e sujando sua imagem diante da comunidade, ao acreditarem que esta descumpriu a lei, aquela deverá indenizá-la dos danos morais sofridos".
Cumprida a fase do art. 1.030, caput, do Código de Processo Civil.
É o relatório.
Considerando que a exigência de demonstração da relevância das questões federais, nos termos do art. 105, § 2º, da Constituição Federal, ainda carece de regulamentação, e preenchidos os requisitos extrínsecos, passa-se à análise da admissibilidade recursal.
Quanto à primeira controvérsia, referente ao art. 1.022 do CPC, o apelo excepcional não reúne condições de ascender à superior instância, por força da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, por analogia, porquanto deficitária sua fundamentação. A parte recorrente não especifica quais incisos do referido artigo teriam sido contrariados, a despeito da arguição de vício no acórdão recorrido.
Colhe-se do acervo jurisprudencial do STJ:
A ausência de indicação dos incisos do art. 1.022 configura deficiência de fundamentação, o que enseja o não conhecimento do recurso especial" (AgInt no AREsp n. 2.697.337/MT, relª. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 10-2-2025).
Em relação ao art. 489, § 1º, IV, V e VI, do CPC, o recurso excepcional não merece ser admitido. Em juízo preliminar de admissibilidade, verifica-se que o acórdão recorrido enfrentou adequadamente os pontos necessários à resolução da controvérsia, não se constatando, neste exame inicial, omissão, negativa de prestação jurisdicional ou deficiência de fundamentação. Dessa forma, a pretensão recursal, aparentemente, dirige-se ao reexame da matéria já apreciada.
Ressalte-se que a Câmara analisou expressamente as teses da parte recorrente, concluindo, com uma análise acurada das provas, pela regularidade do procedimento.
Ademais, no que toca à alegação de omissão quanto ao "fato da recorrente ter sofrido as mesmas penalidades no Hospital Dona Helena", observa-se que a Câmara não conheceu da alegada tese em razão da inovação recursal.
Segundo o entendimento da Corte Superior, "inexiste ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem se manifesta de modo fundamentado acerca das questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, porquanto julgamento desfavorável ao interesse da parte não se confunde com negativa ou ausência de prestação jurisdicional" (AgInt no AREsp n. 2.768.634/GO, rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, j. em 30-4-2025).
Quanto à segunda controvérsia (arts. 186, 187 e 422 do Código Civil); e à quinta controvérsia, a admissão do apelo especial esbarra no veto da Súmula 7 do STJ.
Sustenta a parte recorrente, em síntese, a ilegalidade e nulidade do ato de descredenciamento. Defende que "recebeu uma única advertência, relatando as condutas supostamente desrespeitadas como: (i) a retirada de pertences em armário da sala de pré-parto sem autorização da enfermagem, (ii) acomodação de paciente sem consulta à equipe de enfermagem ou médico e (iii) posicionamento de paciente em interferência a conduta médica"; que "além do fato de uma única advertência formal ter sido enviada à Recorrente, sem lhe garantir qualquer direito ao contraditório e ao devido processo legal, houve também descumprimento da própria Lei da Doula, já que se faz necessário a imposição de multa como forma também de penalidade, antes do referido descredenciamento, a qual por sua vez, nunca foi aplicada à Recorrente"; e que ""embora reúna os elementos necessários a sua existência, foi praticado com violação da lei, a ordem pública e aos bons costumes e com inobservância da forma legal".
Contudo, a análise da pretensão deduzida nas razões recursais, que visa desconstituir a conclusão do órgão julgador no sentido da regularidade do descredenciamento, exigiria o revolvimento das premissas fático-probatórias delineadas pela Câmara, nos seguintes termos (evento 16, RELVOTO1):
Logo de início, sobre a matéria discutida nestes autos, o art. 1º da Lei n. 16.869/2016 de forma expressa, dispõe:
As maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres, da rede pública e privada do Estado de Santa Catarina, ficam obrigados a permitir a presença de doulas durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, sempre que solicitadas pela parturiente, sem ônus e sem vínculos empregatícios com os estabelecimentos acima especificados.
§ 1º Para os efeitos desta Lei e em conformidade com a qualificação da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), código 3221-35, doulas são acompanhantes de parto escolhidas livremente pelas gestantes e parturientes que visam prestar suporte contínuo à gestante no ciclo gravídico puerperal, favorecendo a evolução do parto e bem-estar da gestante, com certificação ocupacional em curso para essa finalidade.
§ 2º A presença das doulas não se confunde com a presença do acompanhante instituído pela Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005.
§ 3º As maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres, da rede pública e privada do Estado de Santa Catarina farão a sua forma de admissão das doulas, respeitando preceitos éticos, de competência e das suas normas internas de funcionamento
Já em caso de descumprimento das obrigações,a citada lei prevê:
[...] Art. 3º O descumprimento do disposto nesta Lei sujeitará o infrator às seguintes penalidades:
I − advertência por escrito, na primeira ocorrência, pela autoridade competente;
II – multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por infração, dobrada a cada reincidência, a qual será reajustada, anualmente, com base na variação do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M/FGV) ou por índice que vier a substituí-lo; e
III – descredenciamento ou resilição contratual de unidades hospitalares contratualizadas, sem direito a indenização. (Redação dos incisos II e III, dada pela Lei 18.048, de 2020)
Parágrafo único. O Poder Executivo estadual definirá a destinação dos recursos oriundos da arrecadação das multas. (Redação do art. 3º dada pela Lei 17.331, de 2017).
Pertinente, ainda, trazer à baila o disposto no art. 3º do Decreto n. 1.305/2017, o qual regulamenta a Lei Estadual n. 16.869/2016:
Art. 3º Ficam as doulas autorizadas a ingressar nas maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres, da rede pública e privada do Estado de Santa Catarina, com seus materiais de trabalho, desde que condizentes com as normas de segurança e ambiente hospitalar.
[...] § 2º Entendem-se como materiais de trabalho das doulas, a serem utilizados no trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, dentre outros:
I - bola de exercício físico feita de material elástico macio e outras bolas de borracha;
II - bolsa de água quente;
III - óleos para massagens;
IV - banqueta auxiliar para parto; e
V - equipamentos sonoros.
Pois bem.
Observa-se que parte apelante alega que as provas produzidas na fase instrutória não foram devidamente sopesadas pelo Juízo a quo, principalmente os depoimentos das testemunhas que presenciaram os fatos, levando em consideração somente as advertências e o memorando de descredenciamento apresentados pela ré, em relação as suas condutas, de forma que "diante as provas produzidas no processo originário, resta demonstrado que a Recorrente em momento algum, cometeu ato capaz de ensejar no seu descredenciamento, o que torna tal ato ilegal"; que "não houve qualquer ato da Recorrente contrariando qualquer comando da equipe médica"
Nesse contexto, não se desmerece o esforço da parte apelante em defender, em síntese, que o juízo a quo desconsiderou os depoimentos que lhe eram favoráveis, os quais demonstram que não houve nenhum ato capaz de ensejar seu descredenciamento, porém, nos termos das decisões do Superior Tribunal de Justiça, cediço que "no que concerne à valoração das provas e à aptidão dos demais elementos probatórios para o deslinde da lide, enfatiza-se que o Código de Processo Civil de 2015 manteve em sua sistemática o princípio da persuasão racional ou do livre convencimento motivado, conforme o disposto nos arts. 370 e 371, segundo os quais compete ao juiz a direção da instrução probatória, apreciando livremente as provas produzidas nos autos, a fim de formar a sua convicção acerca da controvérsia submetida a sua apreciação" (AREsp n. 2.880.431, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJEN de 26/05/2025).
Pelo consignado, impende ressaltar que o sistema de valoração das provas adotado pelo Código de Processo Civil é aquele do livre convencimento motivado, de forma que o magistrado tem liberdade para formar a sua convicção, a partir das provas produzidas nos autos e, com base nisso, apresentar fundamentos de fato e de direito para consolidar sua argumentação.
Assim, do compulsar atendo dos autos, ainda que existam alguns contrapontos e algumas discrepâncias entre as provas e testemunhos apresentados, observa-se que houve uma análise acurada, conjugada com uma adequada fundamentação na sentença, de maneira que o juízo a quo tomou sua decisão de acordo com o citado sistema de valoração das provas e da persuasão racional, presente nos artigos 370 e 371 do CPC.
[...]
Feitas estas ponderações, não há modificações a fazer na sentença neste ponto, porquanto o Juízo sentenciante muito bem sopesou as provas e os testemunhos contidos no caderno processual para fundamentar suas conclusões, as quais se alinham ao entendimento deste relator:
No caso, a autora, por meio desta ação, pretende garantir o seu ingresso nas instalações da ré a fim de que possa exercer a sua atividade profissional de doula durante todo o período de trabalho de parto, do parto propriamente dito e do pós-parto de suas clientes. Fundamenta sua pretensão no fato de que a ré a teria descredenciado como forma de retaliação, uma vez que jamais desrespeitara qualquer norma legal ou interna do hospital.
O acervo probatório formado nos autos permite concluir que não houve excesso por parte do nosocômio réu ao proceder o descredenciamento.
O documento colacionado ao evento 1.7 demonstra que a demandante, antes do descredenciamento, já havia sido advertida por ter adotado má-conduta em três ocasiões (Boletins de Evento CHU ns. 64.675, 64.679 e 64.686), pois teria "desrespeitado a limitação da assistência emocional prevista em lei, bem como desrespeitado as normas e rotinas do CHU (retiradas de pertences em armário da sala de pré-parto sem autorização da enfermagem, acomodação de paciente sem consulta à equipe de enfermagem ou médico, posicionamento de paciente em interferência a conduta médica". Referido documento é datado de 30-4-2021. Confira-se de parte do documento de advertência:
Posteriormente, em 15-6-2021, a autora foi notificada sobre o seu descredenciamento, que veio fundado numa quarta ocorrência (Boletim de Evento CHU n. 69.763), que foi lavrado pela médica plantonista Dra. Mariana Soares Pereira Schaefer, CRM/SC n. 20.764 e diz respeito ao parto da paciente Eliziane Schembach Valim Espíndola. Colhe-se do teor da referida notificação de descredenciamento (evento 1.10):
Mister consignar que o fato de as doulas poderem usar "bola de exercício físico feita de material elástico macio e outras bolas de borracha" e "banqueta auxiliar para parto" não as autoriza a fazê-lo em desconformidade com as orientações da médica que lidera a equipe que atua no parto, convindo destacar que o art. 2º da Lei Estadual n. 16.869/2016 é claro no sentido de que "[é] vedada às doulas a realização de procedimentos médicos ou clínicos, bem como procedimentos de enfermagem e da enfermaria obstétrica, entre outros".
A prova oral produzida nos autos corrobora as condutas descritas das advertências.
Ao prestar depoimento perante este Juízo na qualidade de informante, a médica Dra. Mariana Soares Pereira Schaefer, que realizou a anotação que deu origem ao Boletim de Evento CHU n. 69.763, afirmou que estava atendendo outra paciente e quando retornou à sala de parto da paciente que era acompanhada pela autora, aquela já estava posicionada na banqueta. Acrescentou que a paciente foi posicionada pela doula e que isso só pode ser feito pelo médico ou enfermeiro obstetra. Acrescentou que a paciente precisava ter a dilatação completa para ser posicionada naquele momento e só tinha 8 centímetros. Concluiu afirmando que isso dificulta mais o trabalho de parto (mídia audiovisual do evento 76.2).
A informante Adriane Haverroth, chefe do setor de enfermagem do nosocômio réu, ao ser questionada, esclareceu que antes dos registros formais das advertências, já havia conversado com a autora. Asseverou que a requerente é conhecida dos funcionários do hospital e tomava liberdades que extrapolavam a função dela, mas que tais fatos não foram registrados. Afirmou que não sabe se na notificação constava a possibilidade de contraditório, contudo, tinha informado verbalmente a autora sobre a realização de descredenciamento após a segunda notificação (mídia audiovisual do evento 76.2).
Não obstante não se desconheça da necessidade de valorar com parcimônia os depoimentos acima, nada de concreto veio aos autos capaz de infirmar os relatos.
[...] Não se pode perder de vista que o ofício de descredenciamento é firmado por uma junta composta por três médicos e uma enfermeira que, por certo, detêm conhecimento técnico para avaliar a postura adotada pela demandante, que, remarque-se, já havia sido advertida.
Vê-se que a advertência e o memorando de descredenciamento, que dão conta de possível má conduta por parte da autora foram confeccionados de acordo com o disposto nos incisos I e III da norma transcrita.
Consequentemente, as declarações de pacientes — nem mesmo a daquela que figurou no evento que ocasionou o descredenciamento — não possuem o condão de afastar a posição técnica da junta médica.
Não é demais registrar, ainda, que a relação entre a autora e o nosocômio réu é regida pelas normas de direito privado.
É consabido que o Direito Civil contemporâneo demanda uma interpretação do Código Civil à luz da Constituição. Assim, visando a concretização desses valores constitucionais, não há dúvidas de que os direitos e garantias individuais são oponíveis nas relações entre particulares — eficácia horizontal dos direitos fundamentais —, o que retira o caráter absoluto da autonomia privada.
Na hipótese dos autos, não há se vislumbra a violação ao contraditório, tampouco da ampla defesa, mormente porque o procedimento observado pelo estabelecimento hospitalar réu atendeu às regras constantes na legislação estadual quanto às penalidades ao infrator destas.
Dessarte, entende-se que restou suficientemente demonstrado que a demandante infringiu as atribuições das doulas, o que torna legítimo o seu descredenciamento no nosocômio réu.
Ao julgar o Agravo de Instrumento n. 5037788-85.2021.8.24.0000 interposto pela autora, por ocasião do indeferimento da tutela de urgência postulada na inicial, o excelentíssimo desembargador Jairo Fernandes Gonçalves, já havia assinalado:
Analisando o caderno processual na origem, chega-se a mesma conclusão de Sua Excelência, pois, embora a agravante possua habilitação para a prática do ofício de doula, deve, no exercício dessa profissão, observar não só os limites constantes da Lei n. 16.869/2016, bem como as regras editadas pelo nosocômio.
Todavia, como anotou Sua Excelência e foi confirmado pela agravante em suas razões recursais, antes do descredenciamento, já havia sido advertida por ter adotado má-conduta em três ocasiões anteriores, sendo, por fim, no dia 15 de junho de 2021 notificada sobre o seu descredenciamento, que veio fundado num quarto boletim elaborado pela Médica plantonista Dra. Mariana Soares Pereira Schaefer, por ter extrapolado os limites de seu ofício.
Embora negue as más condutas que lhe são atribuídas, que apenas utilizou-se dos recursos de que a Lei lhe assegura - uso da bola e banqueta auxiliar -, o certo é que não pode "fazê-lo em desconformidade com as orientações da médica que lidera a equipe que atua no parto, convindo destacar que o art. 2º da Lei Estadual n. 16.869/2016 é claro no sentido de que "[é] vedada às doulas a realização de procedimentos médicos ou clínicos, bem como procedimentos de enfermagem e da enfermaria obstétrica, entre outros" (evento 12 da origem).
Portanto, mesmo que contrário aos interesses da parte recorrente, o Magistrado a quo, usando do seu poder discricionário, valorou adequadamente as provas e concluiu pela regularidade do procedimento, de modo que resta claro a inexistência de qualquer irregularidade na sentença que justifique a sua modificação.
Da mesma forma, não há falar em violação ao contraditório e o devido processo legal com ausência de aplicação da multa prevista na lei, porquanto, a uma, incontroverso que a parte apelante foi devidamente notificada da ocorrência das violações, por 3 vezes conforme os boletins de Evento CHU ns. 64.675, 64.679 e 64.686 acima citados e, que havendo reiteração das ocorrências seria descredenciada, todavia, nada fez em sua defesa, fato corroborado pela própria autora em sua inicial quando assevera que "indignada, mas consciente de que não havia desrespeitado qualquer norma da Instituição, a Autora prosseguiu com seus atendimentos, entendendo que isso não passava de uma forma de constrangimento e coação, com o claro intuito de desestabilizar o seu emocional" (evento 1, doc. 1, p. 4, na origem), até que sobreveio a segunda notificação (boletim de evento CHU n. 69.763) com mais uma reclamação, que culminou com o seu regular descredenciamento.
A duas, de se observar da legislação de regência, que a apelada não pode ser compelida a instituir um determinado procedimento administrativo hospitalar para descredenciamento de doulas, tendo em vista que que não há previsão legal nesse sentido.
O artigo 3º da Lei Estadual nº 16.869/2016 dispõe que: "o descumprimento do disposto nesta Lei sujeitará o infrator às seguintes penalidades: [...]", de maneira que referida norma apenas prevê as penalidades possíveis, sem estabelecer uma ordem obrigatória, gradação ou necessidade de aplicação sucessiva das sanções até se chegar ao descredenciamento.
Assim, a depender da gravidade da infração, a doula pode ser advertida, multada ou até mesmo descredenciada já na primeira ocorrência, não sendo necessário que todas as penalidades sejam aplicadas de forma escalonada. O fato da não aplicação da multa prevista art. 3º, II, da Lei n. 16.869/2016 em nada influencia na aplicação da sanção, pois, como referido, poderia a parte apelante ser notificada e multada, na mesma ocasião, preferindo a parte requerida em tão somente apresentar a notificação.
Portanto, sem razão a parte apelante nestes pontos.
[...]
Portanto, não se conhece do recurso no ponto.
Mantida a sentença em sua integralidade, pela legalidade do ato da parte ré, não há falar em ocorrência de danos morais e condenação por lucros cessantes. (Grifou-se).
Cumpre enfatizar que "o recurso especial não se destina ao rejulgamento da causa, mas à interpretação e uniformização da lei federal, não sendo terceira instância revisora" (AREsp n. 2.637.949/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 17-12-2024).
Em relação ao art. 5º, V, XIII, XLI, e LIV, da Constituição Federal (segunda controvérsia), veda-se a admissão do recurso especial, dada a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal prevista no art. 102, III, da Carta Magna. Desse modo, "não compete ao STJ a análise de violação de dispositivo ou princípio constitucional" (REsp n. 2.153.459/SP, relª. Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 11-2-2025).
Quanto à terceira e quarta controvérsias, veda-se a admissão do recurso especial, pois "o recurso especial é inadequado para examinar pretensão fundada em direito alegadamente previsto em norma de direito local. Aplicação, por analogia, da Súmula 280 do STF" (AgInt no AgInt no AREsp n. 2.170.991/SC, rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. em 14-4-2025).
Quanto à sexta e sétima controvérsias, não se mostra viável a admissão do apelo nobre. Constata-se que os dispositivos indicados não foram objeto de apreciação pela instância ordinária, mesmo após a oposição de embargos de declaração.
Nesse contexto, revela-se a ausência de prequestionamento, na medida em que o conteúdo normativo dos preceitos legais tidos por violados não foi enfrentado pelo acórdão recorrido, o que atrai, por analogia, os óbices das Súmulas 211 do STJ e 282 do STF.
De acordo com a jurisprudência do STJ, "o prequestionamento é exigência inafastável contida na própria previsão constitucional, impondo-se como um dos principais pressupostos ao conhecimento do recurso especial, inclusive para as matérias de ordem pública" (AgInt no AREsp n. 2.541.737/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. em 24-6-2024).
Registre-se, ainda, que a parte recorrida requereu, em contrarrazões, a majoração dos honorários advocatícios recursais. Nos termos dos §§ 1º e 11 do art. 85 do Código de Processo Civil, a fixação da verba honorária em grau recursal é competência exclusiva do órgão jurisdicional encarregado do julgamento do mérito. Assim, considerando que a competência do Superior Tribunal de Justiça apenas se perfectibiliza após a admissão do recurso especial, mostra-se incabível a análise do pedido em sede de juízo prévio de admissibilidade. Nesse sentido: EDcl nos EDcl no AgInt no RE nos EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.333.920/SP, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j. em 29-4-2025.
Ante o exposto, com fundamento no art. 1.030, V, do Código de Processo Civil, NÃO ADMITO o recurso especial do evento 45.1.
Intimem-se.
assinado por JANICE GOULART GARCIA UBIALLI, 3° Vice-Presidente, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7065999v13 e do código CRC 621fc467.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JANICE GOULART GARCIA UBIALLI
Data e Hora: 12/11/2025, às 13:56:36
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